03 outubro 2012

Hotel Mekong


(Mekong Hotel, Apichatpong Weerasethakul, Tailândia / Reino Unido, 2012) Alguns minutos são dedicados à contemplação de lanchas que revolvem as águas do rio que corta a Tailândia e o Laos, o Mekong. As lanchas aparecem ao longe, vistas do hotel, à margem. Do ângulo, também vemos uma ponte, uma estação de energia elétrica, a paisagem verde do outro lado do rio. Mas, apesar de toda a agitação provocada pelo movimento das lanchas, o que mais chama atenção é o surgimento de uma canoa. Ao contrário do outro transporte, que vence em termos de aparato tecnológico, o pequeno barco faz seu trajeto vagaroso, retilíneo, silencioso – assim como o rio. Demonstra ter rumo, diferentemente dos outros, que giram em círculos e parecem se comunicar entre si a favor de um divertimento sem propósito além do próprio passatempo. Este é o final, mas também o prelúdio, de Hotel Mekong.

Apichatpong Weerasethakul, a cada filme, atribui ao conceito de natureza um novo significado. Florestas, animais e rios nunca são apenas paisagens ou coadjuvantes. Em Eternamente Sua, por exemplo, um casal vai para a mata fechada para contemplação. Mas lá, a floresta é um ambiente que vai além do cenário: é um pulmão, uma força revigorante, o próprio bem-estar do casal, que está ali não só para passar o tempo, mas para absorver o espaço (e o tempo). Desde então, a floresta em Apichatpong surge diretamente atrelada à espiritualidade.



Em Mal dos Trópicos, essa ligação fica ainda mais clara. A floresta é abrigo de mistérios, que se desvendam por mitos. E é exatamente esse misticismo que aflora com igual ou maior força em Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas. Tudo em Tio Boonmee é natureza. Tudo ali tem origem na união explícita entre homem e espírito – búfalo, macacos, bagres, caverna. Por isso, tudo em Tio Boonmee é visto com naturalidade. E assim também acontece em Hotel Mekong.




Mas, desta vez, o “espaço-tempo” do filme de Apichatpong é o hotel, não mais a floresta. Neste lugar, que leva o nome do rio, acontecem situações prosaicas (ou que se passam como rotineiras). O hotel funciona como um ritual de passagem – e passar é o movimento do rio. O que está ali, em breve, não estará mais.

A metáfora tem um contraponto que se materializa na condição da mãe-vampira. A imortalidade, que a princípio seria uma vantagem em relação à efemeridade das coisas e dos seres comuns, é um problema para a mulher. Logo, o pessimismo de Apichatpong se manifesta na angústia da existência: tanto o que acaba e o que não acaba nunca podem ser extremos sentimentos de agonia.

Em mais uma sequência surrealista, um homem, ao vestir uma máscara que se conecta ao cérebro por meio de eletrodos, passa a ter o poder de ter seu espírito separado do corpo “para vagar por aí”. Temos, mais uma vez, a naturalidade da ficção (científica?) de Apichatpong. Espiritualidade pode ser novamente o que alivia esta angústia existencialista.


E Hotel Mekong é mesmo um filme cheio de angústia. “O que você busca?”, pergunta um personagem ao outro. A resposta não vem – o som do diálogo também desaparece. Enquanto isso, o rio continua a passar na frente dos nossos olhos.

[Publicado em  Revista Moviola]

24 março 2012

basicamente


Love is a Many-Splendored Thing, 1955.