23 julho 2010


(Vincere, Itália, França, 2009). Uma das principais armas de sedução do fascismo é estimular entre a população italiana o culto à personalidade do ditador — o que nada mais é do que um culto à sua imagem como representante do povo. Uma imagem fidedigna à realidade à medida que a imponência aparenta-se essência daquele que se perdera na proposição de um novo sistema político como salvação. O título do filme de Marco Bellocchio não é irônico, porém. Por um tom grave e preciso, imprime na tela uma ópera que evoca a euforia de uma conquista e a dor de uma paixão desmedida.

O clímax provém exatamente das imagens em multiplicidade de épocas, cores, procedências e sentidos. O diretor situa o espectador em uma posição privilegiada de contenção de valores do que nos apresenta em diversas manifestações da palavra: textos, documentos, falas, brados e canções. Tudo isso para atestar que a informação é objeto de manipulação da figura do ditador em um regime tal qual o fascismo. Assim, Vincere, no original, aproveita esta concepção de imagem — como retrato, lembrança ou representação — e parte de uma esfera particular a fim de tratar do período que fora perturbador a milhares de pessoas.

A perturbação, aqui, é íntima a Ida Dalser (Giovanna Mezzogiorno), amante de Benito Mussolini (Filippo Timi) que engravidara ainda no tempo em que o homem frequentava os becos socialistas. Ela, uma italiana, que assim como ele expressa a todo o momento possuir convicções incontestáveis, protagoniza o enredo central de Vencer. Ida se apaixona por Benito e a ele se sacrifica amorosa e financeiramente. Sem gratidão, ele a abandona e, quando chama atenção dos holofotes do mundo, sustenta uma aparente perfeição ostentada pela estrutura familiar: marido (de outra mulher) e pai.

Mussolini faz questão de apagar os vestígios desse seu passado de paixão, interferindo no presente pela manobra de loucura e poder. Ida pára em um hospício e perde, além da beleza, a guarda de seu filho, quem fica sem ver por décadas até à morte. Ele, por sua vez, carrega o nome do pai, mas sem a admiração que porventura pudesse nutrir, mesmo pela cidadania imposta nas condições fascistas. Em uma cena magistral, Benito Jr. cruza os braços em frente ao busto do pai exposto no corredor do internato onde viveu. E em um ato sem hesitação derruba a imagem de quem não lhe representa nada. Daí em diante, já vemos Benito filho adulto em dois momentos distintos: ao ar livre e, depois, também em um hospício. Em ambos os locais, o filho aparece imitando Mussolini em discursos eloqüentes. A caricatura pode ser vista tanto como deboche, quanto como desapontamento, frustração.

E para quem assiste, a guerra é concebida com o salto de legendas na tela em combinação aos gritos perambulantes nas ruas e às exclamações de espectadores nos cinemas. Presente como protagonista natural da história (ou por vezes da História), o cinema e sua função informativa, pela exibição de cine-jornais, aparece como espaço de arquitetura de ideologias e eclosão do pensamento. As cenas mais emocionantes se passam neste espaço, a exemplo da que coloca os espectadores em polvorosa, em uma espécie de mescla de briga e exaltação. As silhuetas desses espectadores se confundem em meio às imagens mudas da figura do Duce na grande tela. O ritmo é ditado pelo acompanhamento do pianista, inócuo na sala escura, que imerso em seu trabalho funciona como analogia ao que, durante e depois da guerra, permanece inalterado.

As sessões de ficção também fazem referência à realidade dos personagens. Ida enquanto assiste O Garoto, de Charles Chaplin, não se contém. A reação diluída em lágrimas e expressões de incômodo, define um pouco das escolhas de Marco Bellocchio. O diretor não se submete a clichês do melodrama e, sem pedantismos, eleva seu próprio cinema a um nível popular. E, assim como a derrubada da estátua de Stálin marca o fim de uma era na História, no final também assistimos ao esmagamento de quem um dia fora ídolo. Comove e torna público o fato repleto de um elemento que a historiografia cancela como fonte de informação: a emoção.

18 julho 2010


(Death Proof, EUA, 2007). Quentin Tarantino chega ao seu nono longa-metragem reiterando seu conceito peculiar de violência. Uma violência feita para ser vista. Enquanto oferece ao espectador realismos suficientes para provocar excitação sexual e espanto, também concede elementos virtuais o bastante para remetê-lo ao conforto da ficção. É, então, pela capacidade de despertar curiosidade e aguçar sentidos, que À Prova de Morte se define como instigante experiência cinematográfica que dialoga com a realidade virtual dos games e atualiza o conceito de hiperestímulo.

Tarantino, com este novo filme, e Robert Rodriguez, com seu Planeta Terror (2007), criaram o projeto Grindhouse com o intuito de homenagear o cinema de horror dos anos 70. Felizmente, o que pode ser visto aqui vai além de uma homenagem que se encerra em si, ao estilo de uma refilmagem por exemplo. O diretor norte-americano faz do projeto quase um pretexto para escrever uma história simples, mas, acima de tudo, viva. Nada muito diferente do que já se viu em outras obras do diretor.

Com uma trilha sonora pop, que evoca rachas e faroeste urbano, acompanhamos um dublê assassino. Sua invencibilidade se justifica, então, pelas habilidades profissionais e pelo carro que usa para executar as mocinhas nem tão mocinhas assim.

Ambientado por um tom retrô, o filme traz mulheres que expõem seus corpos e diluem a feminilidade em pernas, bocas e bundas. Já o homem, interpretado por Kurt Russel, é retratado com virilidade intensificada pela sedução (tanto pela que sofre, como pela que provoca). A tensão constante no longa, portanto, não provém apenas de tiros, lutas, perseguições ou acidentes de carro — aqui, máquina, representada como extensão da masculinidade do personagem principal.

Entre a masturbação visual e a misoginia, explícitos na primeira metade do filme, Death Proof também se caracteriza, na segunda parte, pelo humor e clichês em reverbere, tanto pela ação, como pela postura das novas personagens que entram em cena. Assim como nos clássicos Pulp Fiction e Kill Bill, banaliza o trágico e o torna um bizarro empolgante. Por isso, consegue fazer de alguns segundos de uma batida de carro uma incrível catarse. A câmera lenta durante o impacto revela o instante de meta-cinema do diretor: são revelados bonecos no lugar dos atores.

E é assim que provém da simulação o hiperestímulo de À Prova de Morte, provocado por um sensacionalismo composto exatamente pela profusão de sensações. Nada é comedido. E Tarantino parece avisar: não feche os olhos!